,
Loading...

Notícias

Brasileiros devem R$ 426 bi

Endividamento das famílias atinge o mesmo nível da Inglaterra, mas aqui os débitos têm juros muito mais altos A crise financeira que ainda faz estrago pelo mundo e jogou as economias mais ricas do planeta na recessão não está intimidando os brasileiros na hora de comprar a prazo ou de tomar um empréstimo. Somente em maio deste ano, o endividamento das famílias aumentou R$ 10 bilhões ( 2,4%), atingindo a cifra recorde de R$ 426,5 bilhões. Esse saldo devedor corresponde a 14,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, nível comparável ao da Inglaterra. Apesar de crescente, não é o tamanho do débito das pessoas físicas que assusta os economistas. Mas a sua qualidade. Os brasileiros estão pendurados em dívidas muito caras, como o cheque especial e o cartão de crédito, com taxas de juros próximas de 170% ao ano, custo impensável em uma economia civilizada.

Não foi à toa que o nível de calote entre as pessoas físicas fechou maio em 8,6%, patamar sem precedentes desde julho de 1994, quando o Banco Central (BC) passou a fazer o levantamento. O número, explicou o chefe do Departamento Econômico da instituição, Altamir Lopes, reflete o ápice da crise, no fim de 2008 e início deste ano.
Apreensivos com o futuro da economia, os bancos suspenderam boa parte de suas linhas de crédito, especialmente as mais baratas, como o crédito consignado, com desconto em folha de pagamento. As liberações ficaram concentradas no cheque especial, no cartão de crédito e nos tradicionais empréstimos pessoais. Com isso, quem não conseguiu refinanciar as dívidas baratas que venceram, tiveram de recorrer aos empréstimos mais caros. Assim, os juros elevados comprometeram demais a renda das famílias e não restou outra alternativa a não ser a inadimplência.
 
O que chama mais a atenção nos levantamentos do BC é que o índice de inadimplência só é calculado sobre uma parcela da dívida dos brasileiros, de R$ 290 bilhões. O BC não informa o patamar de atraso nas operações realizadas, por exemplo, por cooperativas de crédito e empresas de leasing, hoje, as maiores financiadoras de automóveis. Só entram no cálculo os débitos sem pagamento há mais de 90 dias. Assim, os 8,6% representam um calote de R$ 25 bilhões. “Os dados do BC são incompletos. Temos a impressão de que a inadimplência é maior quando se considera a dívida total das pessoas físicas”, frisa a economista Luíza Rodrigues, do Banco Santander.
 
Para ela, os brasileiros deveriam mudar o perfil de suas dívidas. Em vez do cartão de crédito e do cheque especial, o melhor seria comprometer a renda familiar com prestações da casa própria. Nessas operações, os juros estão em 10% ao ano, taxa que, normalmente, se paga em um mês quando se recorre aos limites do especial.
 
Apelo a parentes
O autônomo Francisco Barroso Sousa, de 54 anos, morador do Riacho Fundo I, sabe muito bem o que as estatísticas do BC estão mostrando. Há dois anos, com a economia brasileira crescendo a todo vapor e bancos e lojas vendendo facilidades na hora de emprestar dinheiro ou de financiar uma mercadoria, ele não pensou duas vezes em ceder aos desejos do consumo. Mas, com o estouro da crise mundial, em setembro último, sua vida financeira se transformou em um inferno.
 
Os rendimentos mensais, de até R$ 10 mil, caíram para apenas 10% do que faturava antes de o mundo ruir. “Para botar comida em casa, deixei de pagar as prestações de lojas, o celular, o cartão de crédito e os empréstimos bancários”, disse Sousa. Os débitos já somam R$ 7.267 e seu nome está na lista de maus pagadores da Serasa, empresa que acompanha com lupa os débitos em atraso.
 
A vida de Jorge César Oliveira Santos Júnior, 31, não está muito diferente. Desempregado há um ano e com 27 prestações a pagar a uma financeira e a uma loja de eletrodomésticos, ele acumula dívidas superiores a R$ 1,7 mil. “Vivo com a ajuda de parentes. Estou com dificuldade para arrumar emprego, pois meu nome está no Serviço de Proteção ao Consumidor (SPC)”, conta. “O que me resta é fazer bicos como vigia. Ganho R$ 40 por noite”, diz o morador de Valparaíso (GO), que agradece o fato de a mulher receber um salário mínimo por mês, quantia fundamental para os dois filhos não passarem fome. 

Veículo: Correio Braziliense