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Crédito merece um olhar mais atento

Na onda de euforia que tomou conta da bolsa, dos investidores e de simples mortais nos últimos dias, o volume recorde de concessão de crédito no país – que chegou a R$ 1,24 trilhão em março (42,5% do PIB) – foi comemorado em jornais, sites e blogs. A análise predominante foi a de que o crescimento de 1% sobre fevereiro indicava um sinal inequívoco da recuperação da economia. Alto lá! O tema merece uma análise muito mais cuidadosa e, ao final, leitor, você poderá concluir que o cenário é bom, sim, mas muito menos exuberante do que parece a princípio.

No caso das empresas, por exemplo, os números do Banco Central mostram que houve um crescimento de 1,1% no estoque de crédito em março, Em 12 meses, esse crescimento chega a 31,2%, considerando apenas o saldo com recursos livres (aquele que não é carimbado para ser aplicado em uma finalidade específica). “A questão é que esses números mascaram uma mudança de perfil importante dos tomadores de crédito”, explica um executivo do setor bancário. Desde setembro, quando a liquidez internacional secou, empresas que captavam recursos com a emissão de bônus tiveram de buscar outras fontes de recursos. “Companhias que tinham acesso fácil ao mercado externo, como uma Alpargatas, por exemplo, passaram a buscar crédito nos bancos. E as instituições financeiras deram preferência a essas empresas na concessão do crédito, em detrimento das companhias médias ou de maior risco”, explica o executivo. De janeiro a abril, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), as captações de renda fixa no Brasil caíram 60,7% em relação ao mesmo período do ano passado. As captações externas registraram um tombo de 50,2%, de acordo com dados do ValorData.
 
A primeira conclusão é a de que, embora o volume total de crédito tenha aumentado, empresas de menor porte continuam pressionadas. Aos poucos, os bancos médios – que também tiveram problemas de captação de recursos em meio à crise – voltam a irrigar esse segmento. “Mas daí entra a questão da segurança. O banco só dá crédito novo se tiver liquidez, “funding” (recursos) e segurança”, explica o presidente de um banco médio. Segundo ele, as novas operações com empresas do chamado “middle market” estão concentradas em instrumentos menos arriscados, como desconto de duplicata. “O crédito ainda não chegou na ponta do jeito que o governo gostaria.”
 
Há ainda um terceiro fator que os números do Banco Central não explicitam. Parte do crescimento do crédito trata-se, na verdade, de renegociação de operações. Empresas que tinham contratos de derivativos, muitas delas atreladas à variação cambial, não conseguiram honrar os pagamentos e acabaram substituindo a operação por crédito. E é bom lembrar que, no prazo de um ano, houve uma valorização do dólar de quase 50%. “Ainda há pouca coisa de crédito novo. Houve muita renegociação de dívida. No caso das companhias de açúcar e álcool, por exemplo, todos os vencimentos foram prorrogados”, diz o presidente do banco médio. Esse movimento pode ser visto nos números do Banco Central. Em setembro e outubro do ano passado, no ápice da crise, o prazo médio das operações com pessoas jurídicas chegou a 310 dias corridos – o maior do ano.
 
Não é só no segmento de empresas que os números do Banco Central devem ser analisados com cuidado. Veja o caso do crédito habitacional. Em março, cresceu 2,5%, para R$ 64,14 bilhões. Há mais de 16 meses o número só faz aumentar, apesar da crise. Mérito do PAC da habitação? Pode ser que, no futuro, o programa do governo tenha um reflexo importante nesses números. Mas até agora, não. Um executivo chama a atenção para os compromissos que muitos bancos tinham com construtoras, de financiamento das obras. “Há muito prédio em construção. O dinheiro é liberado de acordo com o andamento da obra e isso tem impacto no estoque de crédito”, diz o executivo. É como se houvesse um movimento inercial em função dos compromissos já assumidos.
 
Some-se a isso o chamado FCVS virtual. Na década de 90, vários bancos venderam seus créditos do FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais) e ganharam o direito de seguir utilizando esses créditos para cumprir a exigência de aplicar parte do dinheiro da poupança em habitação. Nos últimos anos, paulatinamente, esse benefício tem sido suspenso. Com isso, bancos foram obrigados a aplicar mais recursos em financiamento imobiliário. É claro que não se deve esquecer que esse tipo de financiamento, abominado no passado pelos bancos, torna-se muito mais atraente com taxa básica de juro anual de 10,25% e alienação fiduciária, que facilita a retomada do imóvel em caso de inadimplência.
 
O comportamento do crédito para pessoas físicas é, talvez, o mais difícil de analisar. O crédito pessoal cresceu 1,7% em março e 4,4% no trimestre, incluindo o consignado (empréstimo com desconto em folha de pagamento). No mês passado, o governo decidiu voltar a permitir que aposentados e pensionistas comprometessem até 30% de seus benefícios com esse tipo de dívida (o limite era de 20%) e isso indica que essa modalidade deve continuar a crescer. Já o leasing, grande responsável pelo crescimento do crédito a pessoas físicas no primeiro trimestre, está fortemente atrelado à indústria automobilística, e, consequentemente, à redução do IPI. Em abril, segundo a Fenabrave, as vendas de veículos caíram 11% em relação a março e 14% em relação a abril de 2008. O sinal, portanto, é contrário ao apresentado pelo consignado.
 
Deve continuar crescendo o crédito no cheque especial e no cartão de crédito. Mas isso é sinal inequívoco de recuperação da economia? Não exatamente. Em geral, os bancos veem esse número como uma indicação de que as pessoas estão mais apertadas, partindo para se endividar onde podem, ainda que com crédito mais caro. Em alguns casos, pode ser antecedente de aumento de inadimplência. Já em abril, segundo a equipe econômica do Credit Suisse, deve-se esperar um ligeiro aumento da inadimplência de pessoas físicas (modalidade recursos livres, não carimbados). O pico seria alcançado no terceiro trimestre. Como diz um banqueiro, não é nada alarmante. Mas o sinal amarelo está aí, piscando.
 
 

Veículo: Valor Econômico