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Dúvidas podem levar a caminho judicial

A advogada Ana Cláudia: O sistema das normas IFRS está vinculado à real natureza dos bens e operações e não à sua forma, como ocorria no padrão anterior

Normalmente, o começo de ano é um período de muito trabalho para os advogados tributaristas, pois muitas normas da área costumam ser publicadas no final do ano anterior para que possam começar a valer na sequência. A falta de publicação de novas normas tributárias, porém, também pode significar mais trabalho para esses profissionais. É o que está acontecendo agora. Para completar o processo de adoção do novo padrão contábil pela empresas brasileiras, de acordo com o IFRS (Internacional Financial Reports Standards), os tributaristas esperavam uma nova norma com alguns esclarecimentos que evitassem discussões jurídicas na área tributária, por meio de processos administrativos e judiciais. Mas foi isso que aconteceu.

Em algumas situações, não há clareza sobre o que deve ser aplicado: se as normas contábeis anteriores à Lei nº 11368, de dezembro de 2007, ou os novos conceitos estabelecidos com o novo padrão contábil, a partir daí. Para a apuração de ajustes de tributos, como o IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) ou a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), não há dúvidas.

Na sequência da entrada em vigor da legislação que dispôs o padrão internacional como a referência para as empresas brasileiras, por meio de medida provisória, foi esclarecido que a nova norma contábil não traria impacto tributário para os resultados apurados com base nela. O balanço contábil elaborado com fins societários, a partir do novo padrão, não implicaria em mudança na elaboração dos cálculos de resultados das empresas para incidência de tributos, enquanto não fosse publicada uma nova legislação, tratando especificamente sobre o tema.

A medida provisória (parte da MP nº449/08) foi convertida na Lei nº 11.941/09 e ficou conhecida como Regime Tributário de Transição – RTT, dissociando a contabilidade fiscal da societária. “Por conta do RTT, os resultados continuam a ser tributados segundo as normas contábeis anteriores a dezembro de 2007”, afirmam os advogados Fernando Tonanni e Tiago Espellet Dockhorn, da área tributária do escritório Machado Meyer.

Aliás, as equipes jurídicas é quem têm feito a interface entre os profissionais da gestão – administradores, gerentes e diretores – e os profissionais da contabilidade para esclarecer essa questão. É preciso explicar que as modificações na formulação das demonstrações financeiras, com resultados diferentes do de anos anteriores – com aumento ou redução de lucro, por exemplo – não trará um impacto tributário.

O balanço é elaborado de acordo com o novo padrão contábil, considerando os novos princípios que buscam retratar a essência econômica dos ativos e das operações. Para o cálculo dos tributos, porém, são feitas adições e exclusões, para identificar os valores tributáveis, seguindo as normas anteriores que privilegiavam a forma. Como se fossem dois balanços.

Exemplo: uma despesa que não seria aceita como tal pode ser incluída de acordo com as novas normas contábeis editadas a partir de 2007. Assim, a base de cálculo do IRPJ se mantém menor, e o imposto a ser pago é menor. Ao mesmo tempo, o balanço publicado segundo o novo padrão contábil informa ao mercado um resultado diferente, mais adequado à realidade econômica da empresa.

A advogada Ana Cláudia Utumi, coordenadora da área tributária do escritório Tozzini Freire, menciona o caso de um leasing, como exemplo do descolamento entre a nova norma contábil societária e a legislação contábil anterior de caráter fiscal. Pela regra anterior, os valores eram lançados como despesa, reduzindo a tributação. “Pela nova legislação, não. O pagamento do leasingé parte do preço de compra de um ativo. Esse bem ainda não é propriedade da empresa, mas está integrado à sua atividade econômica, ao negócio da empresa”, explica. “O sistema do IFRS está vinculado à real natureza dos bens e operações e não à sua forma, como ocorria no padrão anterior”, afirma.

Assim, para fins contábeis e pelas novas regras, o pagamento do leasing não é uma despesa, mas, para fins fiscais, de cálculo de tributo, como o IRPJ e a CSLL, ele é uma despesa, como está disposto nas normas anteriores a dezembro de 2007. No entanto, essa adição e exclusão de despesas e receitas, para análise tributária, pode não ser tão simples. Em operações não relacionadas diretamente ao balanço, mas indiretamente, os tributaristas gostariam que tivesse sido publicada uma legislação específica para por fim ao RTT e trazer bases mais claras de como proceder para a apuração tributária.

Entre os casos mais citados está a apuração do ágio em operações de compra e venda de participações societárias. Na operação, é preciso verificar a diferença entre o valor pago e o patrimônio líquido da empresa. Os conceitos para o cálculo do ágio para fim contábil seriam diferentes dos aplicados para o fiscal, pela nova norma. A dúvida: nessa situação, eles vão ou não interferir na apuração tributária?

De acordo com a legislação fiscal, o ágio tem que ser justificado economicamente, da mesma forma que exige a nova norma contábil. No entanto, não havia uma ordem dos critérios a serem usados na justificativa. Na nova legislação contábil, os critérios são expressos e ordenados, e fazem diferença no resultado final. Nesse caso, o novo padrão contábil se sobrepõe à norma fiscal ou a neutralidade de impacto tributário, prevista pelo RTT, atinge essas situações, mesmo que não estejam relacionadas diretamente ao balanço?

Como havia uma legislação fiscal específica sobre o ágio – Decreto-lei nº 1597/77 (que pedia a justificativa econômica) e os artigos 7º e 8º da Lei nº 9532, (com a previsão de dedução fiscal) -, é mais difícil aceitar a neutralidade prevista no RTT, que impede que os novos conceitos do IFRS tragam impactos tributários, nesse caso, segundo a interpretação da advogada Ana Cláudia Utumi.

Para Paulo Bento, sócio da área de tributário do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, os princípios que regem a contabilidade societária e a fiscal, principalmente com a adoção do novo padrão contábil, são diferentes. O IFRS privilegia a essência econômica, enquanto a contabilidade fiscal segue o princípio da legalidade, da formalidade. “Uma aproximação só seria possível, com uma previsão expressa em legislação específica”.

O que parece ser consenso entre os advogados é que seria bem-vinda uma nova legislação para superar o Regime Tributário de Transição (RTT), esclarecendo os efeitos da IFRS em operações relacionadas indiretamente aos balanços. Caso contrário, haverá no caminho processos administrativos e judiciais.

Veículo: Valor – 31/01/2011