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Entre a frágil aposta e a dura realidade

A economia brasileira ainda vive dois mundos distintos. Em um, as notícias de desaceleração econômica estão evidentes e foram claramente comandadas pela decisão de bancos e consumidores de restringir operações de crédito de longo prazo. Neste segmento, há forte contração na demanda por bens duráveis de maior valor (como automóveis e alguns e eletrodomésticos) e também nas decisões de investimento, o que é ainda mais preocupante. No outro lado, varejistas e consumidores ainda planejam um Natal com boas vendas e compras superiores às do ano passado. Cadeias importantes de lojas falam em resultados até 15% superiores em dezembro na comparação com igual mês do ano passado.

No Brasil em desaceleração (e que já pode estar no começo da tal recessão técnica, caracterizada pela queda consecutiva do Produto Interno Bruto em dois trimestres na série com ajuste sazonal) é impressionante a velocidade com que as decisões de contenção de investimento, produção e consumo se apresentaram. O Lehman Brothers quebrou no dia 15 de setembro e já na primeira quinzena de outubro os dados referentes às vendas de automóveis foram negativos. Junto apareceram as informações de férias coletivas nas montadoras e a queda no índice de confiança da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em outubro, contudo, não apenas a indústria automotiva colocava o pé no freio, mas todo o setor. Outubro deste ano foi o pior outubro desde 1999, pelo menos, para o emprego industrial. O saldo de novos empregos abertos foi de apenas 8,7 mil – antes, o pior desempenho ocorreu em 2003, com 16,2 mil vagas, após um início de ano de PIB negativo.

Os dados do Banco Central relativos ao crédito e as informações posteriores dos grandes empréstimos feitos à Petrobras (que ajudaram a sustentar o volume de crédito em algumas operações, ao mesmo tempo em que mascararam a falta desse mesmo crédito para empresas de menor porte) ajudam muito a entender o que aconteceu. A Rosenberg & Associados fez cálculos muito interessantes a partir das estatísticas de crédito. Olhando para as novas concessões para pessoas físicas e jurídicas, a consultoria separou os valores concedidos em outubro em duas categorias – de balcão e pré-contratado – e ajustou esses dados sazonalmente. No primeiro grupo, ficaram as modalidades cuja concessão depende de uma decisão do banco de emprestar e/ou do cliente de tomar o recurso; na outra, cartão de crédito e cheque especial, cujo uso não depende de uma avaliação nova. Para pessoas jurídicas, os recursos da conta garantida (espécie de cheque especial das empresas) foram separados dos demais.

As quedas no crédito de balcão foram fortes e ajudam a entender o que aconteceu na indústria em outubro. Os recursos para financiamento de veículos caíram 40,5% em outubro sobre setembro (com ajuste sazonal), o leasing para automóveis recuou 58,9%, enquanto desconto de duplicata para pessoas jurídicas caiu 14,2%, capital de giro recuou 7,1%, e concessões de repasses externos ficaram 38% menor. Essa foi a conta da cautela no crédito e ajuda a explicar por que, em outubro, 14 dos 26 ramos pesquisados reduziram a produção em relação a setembro, momento em que deveria ocorrer justamente o contrário. A produção de automóveis ainda recuou pouco em outubro (1,4%), segundo o IBGE, mas os dados das revendas apontam que a demanda por automóveis ficou quase 40% menor nesses últimos dois meses.

Entre todas as informações setoriais, porém, a que mais assusta foi sinalizada nos dados da balança comercial. O ritmo de importação de bens de capital, que cresceu a assombrosos 48% até setembro (sobre janeiro-setembro de 2007), recuou para apenas 10% em novembro. Ou seja, os investimentos colocados em compasso de espera começam a contaminar negativamente a cadeia que crescia junto com novas máquinas e novas fábricas.

O setor automotivo é a face mais visível da crise, mas as notícias de desaceleração vêm do campo (a produção de defensivos agrícolas caiu 30% em outubro, após acumular alta de 39% no ano até setembro), da siderurgia (as projeções do setor de distribuição de aço indicam uma entrega, no primeiro trimestre de 2009, 30% inferior a do início de 2008 ), da mineração, entre outros setores.

O cenário é adverso, mas existem focos de resistência. Parte da resistência, porém, inclui uma aposta: a de que o Natal vai ser bom e ajudará a recuperar a produção no começo de 2009. O principal argumento é que a massa salarial continua intacta, o desemprego não cresceu, as demissões são pontuais e, principalmente, no varejo a retração ainda não apareceu e, portanto, o ajuste de hoje da indústria ajudaria a reduzir estoques no setor produtivo e, a partir do começo de 2009, os pedidos do varejo precisariam ser atendidos com uma produção nova, o que daria ânimo à atividade.

?? uma boa aposta, mas frágil. Os dados de vendas no varejo, em outubro, darão uma sinalização melhor. Em São Paulo, as consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) não foram animadoras, nem em outubro, nem em novembro. No ano, elas acumulam alta de 7,9% em relação a 2007. Mas outubro contra outubro, a alta foi de 4,5%, percentual que caiu para 1,4% em novembro. Nas consultas sobre cheques (vendas à vista), a comparação indica dois meses consecutivos de queda: menos 1,5% em outubro e menos 0,8% em novembro, sempre sobre 2007.

Até o fim deste ano, os dois mundos tendem a um consenso. A torcida é pelo segundo, a razão aponta o primeiro. Especialmente diante da palavra nova que começou a ser incorporada ao noticiário da crise: demissões. Na terça, foram 200 cortes na LG em Taubaté. Ontem, a Vale anunciou 1,3 mil demissões no mundo, 260 delas em Minas Gerais. E faltam só 20 dias para o Natal.

Mesmo que o país passe, nesta virada de 2008 para 2009, pela tal recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda no PIB), esta “recessão” brasileira trará perdas muitos menores do que nos Estados Unidos e Europa. Estávamos crescendo entre 5% a 6% sobre 2007 e vamos reduzir esse ritmo, mas ainda fecharemos 2009 crescendo. Isso faz diferença. E o tamanho dessa “diferença” depende das decisões que bancos, empresas e consumidores estão tomando hoje – enquanto fazem a realidade e torcem pelo Natal. Denise Neumann é editora de Brasil

Veículo: Valor Econômico Colunistas 4/12/08 Estado: SP